domingo, 2 de junho de 2013

A colcha da tia Zefa

        Não sei se ainda há esse costume, mas nos anos 1960/1970, no interior de São Paulo,  era comum as famílias irem preparando o "enxoval" das filhas logo que elas entravam na puberdade. Um jogo de lençol, um paninho de copa, uma peça de renda, uma toalha bordada, aos poucos o baú ia se enchendo com mimos. Na época do noivado, quando já havia a expectativa da realização do casamento, a moça começava a mostrar para as amigas as ricas peças. Algumas, feitas por ela, outras compradas em viagens, outras, ofertadas pelas familiares mais prendadas.
 
        Creio que eu teria uns doze anos, no início dos anos 1970, quando a minha tia Zefa propôs à minha mãe: "Laurinda, posso fazer uma colcha de crochê para cada uma das meninas da família, mas é preciso que providenciem a linha. Você gostaria que eu fizesse as colchas das suas duas meninas?"
 
        No caso, as duas meninas éramos eu e a minha irmã Regina, dois anos e meio mais velha. Minha mãe concordou na hora com a generosa oferta, e perguntou a quantidade de linha necessária.
Lembro-me quando minha mãe perguntou a cor, e eu e a minha irmã escolhemos a branca.
 
        Minha tia Josefa era casada com o tio José Chiodini, tio do meu pai Neife Rubens Aguilar. Ela era uma pessoa muito singular, lembro-me que sempre gostava de repartir as frutas e legumes que trazia do sua fazenda. Era uma pessoa sem malícia, que gostava de saber da vida dos outros, mas não por maldade, e sim por simples curiosidade. Assim era que perguntava sobre tudo e sobre todos, de uma forma direta, como uma criança.
 
       
        Quando íamos à sua casa, eu gostava muito de ouvi-la falar, com seu sotaque espanhol. Sempre gostei muito dessa tia, principalmente por sua franqueza. Recordo-me ainda tão bem dela, sentada na varanda de sua casa em Catanduva, no bairro São Francisco. A tia Zefa já faleceu há muitos anos, mas generosidade e sua habilidade com o crochê ficaram registradas, na colcha que uso com muito carinho.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Princesa dos Sete Castelos

        
Meu conto de fadas preferido era A Princesa dos Sete Castelos. Ganhei o livro em 1967 e o li e reli muitas vezes, admirando as gravuras delicadas que ilustravam a história.

         Desde que fui alfabetizada, adquiri o hábito da leitura. Era um verdadeiro "ratinho de biblioteca". Aos nove anos, eu havia lido toda a biblioteca infantil que havia na estante de meu pai: as coleções de Monteiro Lobato, do Mundo da Criança e todos os contos de fadas disponíveis em casa. Estava sempre pedindo: mãe, compra um livro novo para mim?

         Uma tarde, ela me chamou para sair e disse: pegue um dos seus livros, vamos    doá-lo à biblioteca pública, pois, assim, você se tornará sócia. Oba! Agora vou ter milhões de livros novos para ler. Entretanto, na pressa, só encontrei o livro da Princesa dos Sete Castelos. E agora, mãe? Não encontro os outros livros, e esse é o meu favorito. Ela me respondeu que não havia problema, poderia doá-lo, que ele ficaria disponível na biblioteca para quando eu quisesse lê-lo.

 Assim foi. No meu livro havia gravuras muito bonitas, mas daqui e dali, aos poucos, a cada empréstimo, as folhas se perderam. Um dia, quando fui retirá-lo a bibliotecária me disse: não consta no acervo. Como não, fui eu quem o doei, pode verificar de novo? Mas meu livro não existia mais. Creio que foi ficando "desmilinguido", restando só folhas soltas, até que foi descartado. Que pena, eu gostava tanto dele!

         Já adulta, passei alguns anos colocando anúncios em jornais e revistas, procurando o conto para comprar, mas ninguém me dava notícias. Um dia, alguém me orientou a procurar o título na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Lá ficam armazenados os microfilmes de todas as obras publicadas no Brasil. Consegui comprar o microfilme, e depois, em um equipamento especial na biblioteca do Senado Federal, em Brasília, eu o imprimi, finalmente, em papel.

          Passaram-se muitos anos, veio a internet, o que propiciou intensificar a procura em sebos virtuais, e nada. Da minha infância até ali, já se haviam passado mais de quarenta anos, parecia impossível conseguir encontrar esse livro novamente. No final de 2011, meu primo Antônio Daniel Brito, que mora em Portugal, descobriu que havia sido reimpresso em Lisboa e me enviou um exemplar. Fiquei muito contente ao   recebê-lo, porém, nessa nova edição, não foram inseridas as belíssimas ilustrações de Inês Guerreiro.
 
 
      Foi na busca desse livro que fiquei conhecendo  a escritora. Não pessoalmente, que já era falecida, mas sua obra e sua vida, pois, além de contos e poesias, escreveu dois volumes de memórias. Essa descoberta foi meu grande prêmio. Procurando o livro, conheci a escritora portuguesa Fernanda de Castro. Amiga de Tarsila do Amaral e Anita Malfatti, retratada por essas duas grandes pintoras brasileiras, participante da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Uma mulher excepcional, corajosa, empreendedora, de grande vitalidade.

        Só então, eu reencontrei o livro da minha infância.

Brasília, maio de 2013.
  

 






Nota - Livro comprado em 2012,  por intermédio da Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br).
No alto, fotos da escritora Fernanda de Castro e do livro publicado no Brasil pela Rio Gráfica Editora. Abaixo, quadros que retratam a escritora. O da esquerda é de autoria de Anita Malfatti e o da direita é de Tarsila do Amaral
A família de Fernanda de Castro administra, em Lisboa, a Fundação Antônio Quadros, nome do  marido da escritora.



 
 
 
 
 

terça-feira, 23 de abril de 2013

A Santinha



 
        Quando eu tinha sete anos, morava, juntamente com meus pais e meus três irmãos, na casa da minha avó materna, Antônia, na cidade de Catanduva, interior paulista.
 
        Sempre tive uma ligação muito forte com essa avó, ela é minha madrinha e sempre foi muito amorosa com seus netos; aliás, com todas as pessoas de seu convívio.
 
        Hoje, quando escrevo isso, ela já está com 98 anos e continua a mesma criatura meiga e tranquila de sempre.Com seus cabelos branquinhos e a pele rosada, ela mais se parece com uma bonequinha...
 
        Nessa ocasião dos meus sete anos, quando morávamos em sua casa, ela era já  viúva e sua rotina era cuidar da casa e de sua loja, um bazar localizado na parte dianteira lateral da casa. Havia uma interligação entre a casa e a loja pela varanda, ou alpendre, como se dizia.
 
        Em seu quarto, em cima da penteadeira, ficava uma santinha de louça, pintada de azul claro, muito delicada. Era oca por dentro, e minha avó dizia havia ganhado de seu pai. Quando criança, minha avó a levava para a escola. No caminho, em uma estrada de terra, ela passava por uma fonte, e então utilizava a santa, recolhendo a água pura e bebendo como se ela fosse um copinho.
 
        De tanto eu pedir, um dia ela me deu a santinha. Fiquei muito contente e a guardei com muito carinho durante todos esses anos - e olhem que já sou, também, avó!
 
        Mudei-me algumas vezes de casa e de cidade, indo morar em outro Estado, e sempre zelei para que a minha santinha não se quebrasse. Há alguns anos, depois que já se tinham passado mais de três décadas do "presente", numa das minhas visitas à minha avó, eu a levei, enroladinha em um lenço dentro da minha bolsa. "Veja só, avó, o que trouxe para mostrar para a senhora"; Sua fisionomia foi de absoluto espanto: "Minha nossa!!!!!!você ainda a tem?????".



 

sábado, 13 de abril de 2013

Botella azul



        Eu a vi em uma "tienda" em Santiago do Chile e foi um amor fulminante por aquela peça tão detalhadamente lapidada em lápis lázuli. Isso ocorreu em novembro de 2008. Estávamos de férias no Chile e fomos ao Pueblito Los Dominicos, feira de artesanato que contempla o que há de melhor e mais representativo do povo chileno.

        Não tive coragem de comprá-la, entretanto. O preço era compatível com o valor da peça, portanto, um pouco salgado para o meu bolso.

        Terminamos o passeio, fiz mais algumas fotos e voltamos ao hotel.  E a lembrança daquela linda garrafa azul não me saía da memória.

        Passaram-se dois dias de "compro, não compro?" até que me decidi: voltaremos para eu dar uma última olhada. Se ela tiver sido vendida, bem. Se não, se não...

        E lá estava ela: esperando por mim. Leve-me, sou uma destas peças que se deixa de herança...

        E passei o cartão. Pronto, a loucura estava feita.
        Nunca me arrependi.




Torres da igreja em Pueblito Los Dominicos
Pueblito Los Dominicos